O termo “Red Pill” é uma alusão ao filme Matrix, que em uma de suas cenas o personagem principal Neo precisa escolher entre permanecer no mundo que acredita ver, tomando uma pílula azul ou acordar e entender a realidade como ela é, tomando uma pílula vermelha. 

Este não é o único nome deste movimento que pode também ser chamado de  “Incell” ou “MGTOW”. Seus membros acreditam que  a essência desse despertar é o resgate de uma ordem baseada na masculinidade.

Em tom de auto ajuda, muitas vezes liderados por “coaches”, esses grupos direcionam os homens a compreender os seus problemas na vida, mas principalmente de relacionamentos e a solucioná-los. Encontrando nas mulheres e no feminismo a principal causa de seus insucessos e frustrações. 

Sendo este o motivo, os grupos promovem o feminismo como um problema a ser combatido, assim como os direitos das mulheres, criando no ambiente virtual, uma pseudo legitimação da misoginia, potencializando ameaças e atos violentos contra mulheres e minorias de direitos, no ambiente virtual e fora dele. 

Uma das reflexões existencialistas nos diz “colocar todo homem em posse daquilo que ele é, e fazer repousar sobre ele a responsabilidade total por sua existência”. (Sartre, 2014, p.20).

Desta forma, o primeiro passo seria compreender as suas emoções, história de vida, contexto social, cultural, fatores que podem levar estes homens a tamanhas frustrações, insucessos, problemas de trabalho, financeiros e/ou em seus relacionamentos amorosos. 

Colocando em português, é assumir a sua responsabilidade diante do que te acontece. Talvez em uma sigla inglês fique mais fácil “TBA” – to be accountable. E não é fácil, fazer isso, o personagem Homer (do desenho animado Os Simpsons) já dizia “se a culpa é minha eu a coloco em quem eu quiser”. 

O problema de não assumir a responsabilidade, de não olhar para nossas questões, significa abrir mão da possibilidade de compreender e mudar nossos comportamentos, de conversarmos sobre como as questões nos afetam e ajudarmos coletivamente a criar uma convivência que promova o bem estar de todos os envolvidos. 

Também é interessante pensarmos na Síndrome do Peter Pan. O Peter Pan é o menino do conto de fadas que não quer crescer e que expulsa todos os que querem, da Terra do Nunca. Apesar de não haver uma descrição formal  de um transtorno mental, as características de evitar o amadurecimento físico, emocional e comportamental é uma experiência amplamente relatada na psicologia. 

Entre os 6 e 11 anos, as crianças vivem grandes transformações físicas e psicológicas e uma série de marcos registram um desenvolvimento saudável. Emocionalmente as crianças abandonam o egocentrismo, passam a reconhecer que nem todos compartilham suas crenças, sentimentos e pensamentos. E devem desenvolver a consciência de suas emoções (como por exemplo, a frustração) e o controle de seus impulsos agressivos  passando a utilizar o diálogo como meio de resolução de conflitos. 

Através deste raciocínio é possível compreender o quanto estes homens que se alicerçam nos discursos de grupos machistas como o Red Pill, demonstram sua infantilidade e ausência de disposição para o amadurecimento, permanecendo na Terra do Nunca e evitando a responsabilidade adulta.

Este fenômeno mostra uma falha cultural e social importante onde o machismo cega e impede o desenvolvimento saudável, gerando por consequência uma sociedade psicologicamente adoecida, fazendo com que  mulheres tornem-se vítimas da violência e uma estrutura social travada sem ação e diálogo. 

Todos precisam ter a oportunidade de aprender sobre história, direito, feminismo e igualdade. Os homens precisam do direito de falar sobre seus sentimentos, fragilidades e poderem ser potentes fora dos estereótipos machistas, falocêntricos e viris de nossa cultura atual.  

Para fazer isso precisamos evitar a disseminação de discursos de ódio e que argumentam em prol das desigualdades, e propagar cada vez mais o amadurecimento que permite a uma criança independente de seu gênero ser olhada, acolhida e desenvolvida para tornar-se um adulto capaz integrar em uma sociedade emocionalmente equilibrada. 

Por: Larissa Cavalcanti

Psicóloga e Psicopatologista.

Referências de apoio

• Sartre. O existencialismo é um humanismo. 4° ed., Rio de Janeiro, Vozes de Bolso, 2014.
• Kalkan, Melek & Vural Batik, Meryem & Kaya, Leyla & Turan, Merve. (2021). Peter Pan Syndrome “Men Who Don’t Grow”: Developing a Scale. Men and Masculinities. 24. 245-257. 10.1177/1097184X19874854. 
• https://www.medicalnewstoday.com/articles/peter-pan-syndrome
• Teorias do Desenvolvimento de Piaget e Winnicot. 

Recomendação de leitura

Guia prático antimachista: Para pessoas de todos os gêneros de Ruth Manus.

Simples e objetivo, explica a essência do machismo, seus impactos e desdobra a importância do antimachismo.